157
O FILHO EGOÍSTA
Mas, respondendo
ele, disse ao pai: Eis que te sirvo, há tantos anos, sem jamais transgredir um mandamento
teu, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos.
(LUCAS, 15:29).
A parábola não apresenta somente o
filho pródigo. Mais aguçada atenção e encontraremos o filho egoísta.
O ensinamento velado do Mestre
demonstra dois extremos da ingratidão filial. Um reside no esbanjamento; o
outro, na avareza. São as duas extremidades que fecham o círculo da
incompreensão humana.
De maneira geral, os crentes apenas
enxergaram o filho que abandonou o lar paterno, a fim de viver nas estroinices
do escândalo, tornando-se credor de todas as punições; e raros aprendizes
conseguiram fixar o pensamento na conduta condenável do irmão que permanecia sob
o teto familiar, não menos passível de repreensão.
Observando a generosidade paterna, os
sentimentos inferiores que o animam sobem à tona e ei-lo na demonstração de sovinice.
Contraria-o a vibração de amor
reinante no ambiente doméstico; alega, como autêntico preguiçoso, os anos de
serviço em família; invoca, na posição de crente vaidoso, a suposta observância
da Lei divina e desrespeita o genitor, incapaz de partilhar-lhe o justo
contentamento.
Esse tipo de homem egoísta é muito
vulgar nos quadros da vida. Ante o bem-estar e a alegria dos outros, revolta-se
e sofre, através da secura que o aniquila e do ciúme que o envenena.
Lendo a parábola com atenção,
ignoramos qual dos filhos é o mais infortunado, se o pródigo, se o egoísta, mas
atrevemo-nos a crer na imensa infelicidade do segundo, porque o primeiro já
possuía a bênção do remorso em seu favor.
NOSSA REFLEXÃO
Eis uma situação singular: num mesmo
contexto familiar encontramos dois seres que representam os extremos de atitudes
em relação à riqueza – a prodigalidade e a avareza.
Um, como Emmanuel nos diz, foi
abençoado pelo “[...] remorso em seu favor” e o outro iniciou sua infelicidade
pelo egoísmo que revelou, cobrando sua servidão ao pai e se envenando pelo
ciúme.
O remorso e o arrependimento são duas
atitudes que nos ajustam perante a Lei de Deus. Como Deus é misericordioso,
infinitamente, Ele, conforme nos esclarece o Espírito Lamenais: “O Pai
vos estende os braços e está sempre pronto a festejar o vosso regresso ao seio
da família.”[1]
Isto que o Cristo quis nos ensinar com a Parábola, quando nós nos afastamos das
Leis de Deus.
A riqueza, como a
pobreza, são provas de ascensão para o Espírito.
A. Kardec, discorrendo
sobre a riqueza, e confrontando com a pobreza, nos ilumina:
Sem dúvida, pelos arrastamentos a que dá causa, pelas tentações que gera e pela fascinação que exerce, a riqueza constitui uma prova muito arriscada, mais perigosa do que a miséria. É o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual. É o laço mais forte que prende o homem à Terra e lhe desvia do céu os pensamentos. Produz tal vertigem que, muitas vezes, aquele que passa da miséria à riqueza esquece de pronto a sua primeira condição, os que com ele a partilharam, os que o ajudaram, e faz-se insensível, egoísta e vão.[2]
Mas sendo rico, que atitude deve ter
aquele possuidor de uma riqueza? A prodigalidade seria um exemplo de
desprendimento material?
Esbanjar a riqueza não é demonstrar desprendimento dos bens terrenos: é descaso e indiferença. Depositário desses bens, não tem o homem o direito de os dilapidar, como não tem o de os confiscar em seu proveito. Prodigalidade não é generosidade: é, frequentemente, uma modalidade do egoísmo. Um, que despenda a mancheias o ouro de que disponha, para satisfazer a uma fantasia, talvez não dê um centavo para prestar um serviço. O desapego aos bens terrenos consiste em apreciá-los no seu justo valor, em saber servir-se deles em benefício dos outros e não apenas em benefício próprio, em não sacrificar por eles os interesses da vida futura, em perdê-los sem murmurar, caso apraza a Deus retirá-los (Larcodaire, 1863).[3]
Então, não devemos ser nem avarentos
e nem pródigos. Quem muito abusa do que possui, acaba por ficar sem nada: pobre.
Seja na existência em que abusou ou em existência futura.
Que sejamos bons usufrutuários do que
temos e resignados, mas sem deixar de lutar por melhoria, quando nos faltar
tudo.
Que Deus nos ajude.
Domício.