domingo, 26 de março de 2023

NÓS E CÉSAR

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NÓS E CÉSAR

E Jesus, respondendo, disse-­lhes: dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.

(MARCOS, 12:17).

Em todo lugar do mundo, o homem encontrará sempre, de acordo com os seus próprios merecimentos, a figura de César, simbolizada no governo estatal.

Maus homens, sem dúvida, produzirão maus estadistas.

Coletividades ociosas e indiferentes receberão administrações desorganizadas.

De qualquer modo, a influência de César cercará a criatura, reclamando­lhe a execução dos compromissos materiais.

É imprescindível dar­lhe o que lhe pertence.

O aprendiz do Evangelho não deve invocar princípios religiosos ou idealismo individual para eximir­se dessas obrigações.

Se há erros nas leis, lembremos a extensão de nossos débitos para com a Providência divina e colaboremos com a governança humana, oferecendo­lhe o nosso concurso em trabalho e boa­vontade, conscientes de que desatenção ou revolta não nos resolvem os problemas.

Preferível é que o discípulo se sacrifique e sofra a demorar­se em atraso, ante as leis respeitáveis que o regem, transitoriamente, no plano físico, seja por indisciplina diante dos princípios estabelecidos ou por doentio entusiasmo que o tente a avançar demasiadamente na sua época.

Há decretos iníquos?

Recorda se já cooperaste com aqueles que te governam a paisagem material.

Vive em harmonia com os teus superiores e não te esqueças de que a melhor posição é a do equilíbrio.

Se pretendes viver retamente, não dês a César o vinagre da crítica acerba. Ajuda­o com o teu trabalho eficiente, no sadio desejo de acertar, convicto de que ele e nós somos filhos do mesmo Deus. 

NOSSA REFLEXÃO

Esta mensagem de Emmanuel nos leva a lembrar que estamos vivendo em um mundo em que se defende, em muitos países, como o Brasil, o regime democrático que subtende a participação popular nas políticas e leis do país. Portanto, devemos contextualizar a mensagem do Cristo, inspiradora pra essa mensagem de Emmanuel, considerando o que temos na Doutrina Espírita a respeito e o momento em que vivemos, com todo o respeito ao Espírito Emmanuel, mas atendendo a ele, quando orientou a Chico Xavier que sempre ficasse com Jesus e Allan Kardec, em primeiro plano.

Então, lembremos que cada mundo ou cada povo tem o César que merece. Verdade. Mas há contextos em que a "rebeldia" salvou a vida de milhares de pessoas. Vejamos três exemplos? O industrial alemão Oskar Schindler (1.200 vidas), a Enfermeira polonesa Irena Sendler (2.500 vidas), no período da Segunda Guerra[1], e Gandhi, um povo inteiro (dispensa-se comentário?). Tanto, Irena, como Oskar e Gandhi fizeram isso de modo pacífico. Ainda bem que o coração dessas pessoas não fez uma leitura descontextualizada do "Dai a César o que é de César".

Na atualidade, no Brasil, vivemos, ainda, sob um regime democrático que garante a oposição ao governo gestor. Opor-se não se trata de uma rebeldia, mas um direito. O César tem que se sujeitar a uma constituição e cuidar dos interesses do povo e não dos dele. Portanto, precisamos fazer uma leitura dessa mensagem, trazendo-a para o momento que vivemos e para o regime político que rege a nossa nação. Uma forma de colaborar com um governo, num regime democrático, é elegendo os parlamentares que legislarão sobre as relações políticas e sociais no país ou se contrapondo a elas, caso sejam injustas para a coletividade.

Nesse contexto, uma das coisas que são permitidas é a livre expressão. Sim, não precisamos nos comportar como cães raivosos (PAULO, FILIPENSES, 3:2)[2]. Mas uma arte, uma fala ou escrita, que retrata uma situação injusta, não deve ser vista, tão somente, como uma mera ironia ou desrespeito às leis do país, mas como uma denúncia.

Nessa mensagem, Emmanuel traz, para a nossa reflexão, que devemos ter equilíbrio, pensar como agir, como falar diante de um descontentamento a um governo. Isto é muito importante em qualquer nível de conversa entre pessoas das quais esperamos sensatez no debate de entendimentos distintos sobre qualquer tema. Então, na sociedade, fora dos partidos políticos oficiais, mas sem perder de vista que os políticos partidários são quem nos representam no Congresso Nacional, temos diversas formas de mostrar nosso descontentamento, sem pegar em armas. A Arte e manifestações pacíficas dão conta disso. Ele também diz que: "Preferível é que o discípulo se sacrifique e sofra a demorar-se em atraso, ante as LEIS RESPEITÁVEIS (grifos meus) que o regem". Quanto a isso, é importante, em qualquer período político, refletir e questionar sobre a respeitabilidade das Leis que já existem, que precisam ser reavaliadas, e aquelas que estão nos propondo, na atualidade, num regime democrático. O que significa uma Lei respeitável? Isto tem que ser debatido na sociedade e no parlamento. O concurso que podemos, hoje e sempre, dar à governança brasileira é a oposição ou aliança de modo crítico, sempre em favor do mais oprimidos e pela classe trabalhadora.

O certo é que não dá pra colaborar com/torcer por um governo que trabalha contra o povo. Fazer o contrário é demonstrar cumplicidade com suas proposições injustas e até genocidas. E foi isso que vivemos no país, num contexto de pandemia, com o apoio e incitação do presidente, com as carreatas e motociatas pró volta ao trabalho, quando os órgãos RESPEITÁVEIS sinalizavam o contrário, além das manifestações contra poderes da República. Temos que ter uma noção histórica de nossa humanidade.

Quanto, ainda, à contextualidade dessa mensagem de Emmanuel, trazemos um excerto da dissertação de Allan Kardec sobre o versículo contido em seu caput:

Esta sentença: “Dai a César o que é de César”, não deve, entretanto, ser entendida de modo restritivo e absoluto. Como em todos os ensinos de Jesus, há nela um princípio geral, resumido sob forma prática e usual e deduzido de uma circunstância particular. Esse princípio é consequente daquele, segundo o qual devemos proceder para com os outros como queiramos que os outros procedam para conosco. Ele condena todo prejuízo material e moral que se possa causar a outrem, toda postergação de seus interesses. Prescreve o respeito aos direitos de cada um, como cada um deseja que se respeitem os seus. Estende-se mesmo aos deveres contraídos para com a família, a sociedade, a autoridade, tanto quanto para com os indivíduos em geral.[3]

Desse modo, que a Doutrina Espírita não nos sirva de mote, equivocadamente, para nos calarmos diante das injustiças e das desigualdades sociais que imperam no mundo e, particularmente, no Brasil, pois ela, como Religião, "[...] não autoriza a injustiça sob qualquer forma ou pretexto que seja [...]" (KARDEC, 2013, p. 107).[4]

Que Deus nos ajude e a classe política diga amém.

Domício.


[1] Vide matéria sobre esse dados em Conheça a enfermeira que raptou 2500 crianças judias das mãos dos nazistas.
[2] Vide nossa reflexão que fizemos à mensagem Guardai-vos dos cães, de Emmanuel, grafada no livro Fonte Viva (FEB-Chico Xavier).
[3] Vide dissertação na íntegra em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo XI, Itens 6 e 7.
[4] KARDEC, A. O que é o Espiritismo. 56. ed. Brasília: FEB, 2013.

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