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NÓS E CÉSAR
E Jesus, respondendo, disse-lhes: dai, pois, a César o que
é de César, e a Deus o que é de Deus.
(MARCOS,
12:17).
Em todo lugar do mundo, o
homem encontrará sempre, de acordo com os seus próprios merecimentos, a figura
de César, simbolizada no governo estatal.
Maus homens, sem dúvida,
produzirão maus estadistas.
Coletividades ociosas e indiferentes
receberão administrações desorganizadas.
De qualquer modo, a
influência de César cercará a criatura, reclamandolhe a execução dos
compromissos materiais.
É imprescindível darlhe o
que lhe pertence.
O aprendiz do Evangelho
não deve invocar princípios religiosos ou idealismo individual para eximirse
dessas obrigações.
Se há erros nas leis,
lembremos a extensão de nossos débitos para com a Providência divina e
colaboremos com a governança humana, oferecendolhe o nosso concurso em
trabalho e boavontade, conscientes de que desatenção ou revolta não nos
resolvem os problemas.
Preferível é que o
discípulo se sacrifique e sofra a demorarse em atraso, ante as leis
respeitáveis que o regem, transitoriamente, no plano físico, seja por
indisciplina diante dos princípios estabelecidos ou por doentio entusiasmo que
o tente a avançar demasiadamente na sua época.
Há decretos iníquos?
Recorda se já cooperaste
com aqueles que te governam a paisagem material.
Vive em harmonia com os
teus superiores e não te esqueças de que a melhor posição é a do equilíbrio.
Se pretendes viver retamente, não dês a César o vinagre da crítica acerba. Ajudao com o teu trabalho eficiente, no sadio desejo de acertar, convicto de que ele e nós somos filhos do mesmo Deus.
NOSSA REFLEXÃO
Esta mensagem de Emmanuel
nos leva a lembrar que estamos vivendo em um mundo em que se defende, em muitos
países, como o Brasil, o regime democrático que subtende a participação popular
nas políticas e leis do país. Portanto, devemos contextualizar a mensagem do
Cristo, inspiradora pra essa mensagem de Emmanuel, considerando o que temos na
Doutrina Espírita a respeito e o momento em que vivemos, com todo o respeito ao
Espírito Emmanuel, mas atendendo a ele, quando orientou a Chico Xavier que
sempre ficasse com Jesus e Allan Kardec, em primeiro plano.
Então, lembremos que cada mundo ou cada povo tem o
César que merece. Verdade. Mas há contextos em que a "rebeldia"
salvou a vida de milhares de pessoas. Vejamos três exemplos? O industrial
alemão Oskar Schindler (1.200
vidas), a Enfermeira polonesa Irena Sendler (2.500 vidas), no período da
Segunda Guerra[1], e
Gandhi, um povo inteiro (dispensa-se comentário?). Tanto, Irena, como Oskar
e Gandhi fizeram isso de modo pacífico. Ainda bem que o coração dessas pessoas
não fez uma leitura descontextualizada do "Dai a César o que é de
César".
Na atualidade, no Brasil, vivemos, ainda, sob um
regime democrático que garante a oposição ao governo gestor. Opor-se não se
trata de uma rebeldia, mas um direito. O César tem que se sujeitar a uma
constituição e cuidar dos interesses do povo e não dos dele. Portanto,
precisamos fazer uma leitura dessa mensagem, trazendo-a para o momento que
vivemos e para o regime político que rege a nossa nação. Uma forma de colaborar
com um governo, num regime democrático, é elegendo os parlamentares que legislarão
sobre as relações políticas e sociais no país ou se contrapondo a elas, caso
sejam injustas para a coletividade.
Nesse contexto, uma das coisas que são permitidas é
a livre expressão. Sim, não precisamos nos comportar como cães raivosos (PAULO,
FILIPENSES, 3:2)[2].
Mas uma arte, uma fala ou escrita, que retrata uma situação injusta, não deve
ser vista, tão somente, como uma mera ironia ou desrespeito às leis do país,
mas como uma denúncia.
Nessa mensagem, Emmanuel traz, para a nossa
reflexão, que devemos ter equilíbrio, pensar como agir, como falar diante de um
descontentamento a um governo. Isto é muito importante em qualquer nível de
conversa entre pessoas das quais esperamos sensatez no debate de entendimentos
distintos sobre qualquer tema. Então, na sociedade, fora dos partidos políticos
oficiais, mas sem perder de vista que os políticos partidários são quem nos
representam no Congresso Nacional, temos diversas formas de mostrar nosso
descontentamento, sem pegar em armas. A Arte e manifestações pacíficas dão conta
disso. Ele também diz que: "Preferível é que o discípulo se sacrifique e
sofra a demorar-se em atraso, ante as LEIS RESPEITÁVEIS (grifos meus) que o
regem". Quanto a isso, é importante, em qualquer período político,
refletir e questionar sobre a respeitabilidade das Leis que já existem, que
precisam ser reavaliadas, e aquelas que estão nos propondo, na atualidade, num
regime democrático. O que significa uma Lei respeitável? Isto tem que ser
debatido na sociedade e no parlamento. O concurso que podemos,
hoje e sempre, dar à governança brasileira é a oposição ou aliança de modo
crítico, sempre em favor do mais oprimidos e pela classe trabalhadora.
O certo é que não dá pra colaborar com/torcer por
um governo que trabalha contra o povo. Fazer o contrário é demonstrar
cumplicidade com suas proposições injustas e até genocidas. E foi isso que vivemos
no país, num contexto de pandemia, com o apoio e incitação do presidente, com
as carreatas e motociatas pró volta ao trabalho, quando os órgãos RESPEITÁVEIS
sinalizavam o contrário, além das manifestações contra poderes da República.
Temos que ter uma noção histórica de nossa humanidade.
Quanto, ainda, à contextualidade dessa mensagem de
Emmanuel, trazemos um excerto da dissertação de Allan Kardec sobre o versículo
contido em seu caput:
Esta sentença: “Dai a César o que
é de César”, não deve, entretanto, ser entendida de modo restritivo e absoluto.
Como em todos os ensinos de Jesus, há nela um princípio geral, resumido sob
forma prática e usual e deduzido de uma circunstância particular. Esse
princípio é consequente daquele, segundo o qual devemos proceder para com os
outros como queiramos que os outros procedam para conosco. Ele condena todo
prejuízo material e moral que se possa causar a outrem, toda postergação de
seus interesses. Prescreve o respeito aos direitos de cada um, como cada um
deseja que se respeitem os seus. Estende-se mesmo aos deveres contraídos para
com a família, a sociedade, a autoridade, tanto quanto para com os indivíduos
em geral.[3]
Desse modo, que
a Doutrina Espírita não nos sirva de mote, equivocadamente, para nos calarmos
diante das injustiças e das desigualdades sociais que imperam no mundo e,
particularmente, no Brasil, pois ela, como Religião, "[...] não autoriza a
injustiça sob qualquer forma ou pretexto que seja [...]" (KARDEC, 2013, p.
107).[4]
Que Deus nos ajude e a classe
política diga amém.
Domício.