domingo, 28 de abril de 2024

O FILHO EGOÍSTA

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O FILHO EGOÍSTA

Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo, há tantos anos, sem jamais transgredir um mandamento teu, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos.

(LUCAS, 15:29).

A parábola não apresenta somente o filho pródigo. Mais aguçada atenção e encontraremos o filho egoísta.

O ensinamento velado do Mestre demonstra dois extremos da ingratidão filial. Um reside no esbanjamento; o outro, na avareza. São as duas extremidades que fecham o círculo da incompreensão humana.

De maneira geral, os crentes apenas enxergaram o filho que abandonou o lar paterno, a fim de viver nas estroinices do escândalo, tornando-se credor de todas as punições; e raros aprendizes conseguiram fixar o pensamento na conduta condenável do irmão que permanecia sob o teto familiar, não menos passível de repreensão.

Observando a generosidade paterna, os sentimentos inferiores que o animam sobem à tona e ei-lo na demonstração de sovinice.

Contraria-o a vibração de amor reinante no ambiente doméstico; alega, como autêntico preguiçoso, os anos de serviço em família; invoca, na posição de crente vaidoso, a suposta observância da Lei divina e desrespeita o genitor, incapaz de partilhar-lhe o justo contentamento.

Esse tipo de homem egoísta é muito vulgar nos quadros da vida. Ante o bem-estar e a alegria dos outros, revolta-se e sofre, através da secura que o aniquila e do ciúme que o envenena.

Lendo a parábola com atenção, ignoramos qual dos filhos é o mais infortunado, se o pródigo, se o egoísta, mas atrevemo-nos a crer na imensa infelicidade do segundo, porque o primeiro já possuía a bênção do remorso em seu favor.

NOSSA REFLEXÃO

Eis uma situação singular: num mesmo contexto familiar encontramos dois seres que representam os extremos de atitudes em relação à riqueza – a prodigalidade e a avareza.

Um, como Emmanuel nos diz, foi abençoado pelo “[...] remorso em seu favor” e o outro iniciou sua infelicidade pelo egoísmo que revelou, cobrando sua servidão ao pai e se envenando pelo ciúme.

O remorso e o arrependimento são duas atitudes que nos ajustam perante a Lei de Deus. Como Deus é misericordioso, infinitamente, Ele, conforme nos esclarece o Espírito Lamenais: “O Pai vos estende os braços e está sempre pronto a festejar o vosso regresso ao seio da família.”[1] Isto que o Cristo quis nos ensinar com a Parábola, quando nós nos afastamos das Leis de Deus.

A riqueza, como a pobreza, são provas de ascensão para o Espírito.

A. Kardec, discorrendo sobre a riqueza, e confrontando com a pobreza, nos ilumina:

Sem dúvida, pelos arrastamentos a que dá causa, pelas tentações que gera e pela fascinação que exerce, a riqueza constitui uma prova muito arriscada, mais perigosa do que a miséria. É o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual. É o laço mais forte que prende o homem à Terra e lhe desvia do céu os pensamentos. Produz tal vertigem que, muitas vezes, aquele que passa da miséria à riqueza esquece de pronto a sua primeira condição, os que com ele a partilharam, os que o ajudaram, e faz-se insensível, egoísta e vão.[2]

Mas sendo rico, que atitude deve ter aquele possuidor de uma riqueza? A prodigalidade seria um exemplo de desprendimento material?

Esbanjar a riqueza não é demonstrar desprendimento dos bens terrenos: é descaso e indiferença. Depositário desses bens, não tem o homem o direito de os dilapidar, como não tem o de os confiscar em seu proveito. Prodigalidade não é generosidade: é, frequentemente, uma modalidade do egoísmo. Um, que despenda a mancheias o ouro de que disponha, para satisfazer a uma fantasia, talvez não dê um centavo para prestar um serviço. O desapego aos bens terrenos consiste em apreciá-los no seu justo valor, em saber servir-se deles em benefício dos outros e não apenas em benefício próprio, em não sacrificar por eles os interesses da vida futura, em perdê-los sem murmurar, caso apraza a Deus retirá-los (Larcodaire, 1863).[3]

Então, não devemos ser nem avarentos e nem pródigos. Quem muito abusa do que possui, acaba por ficar sem nada: pobre. Seja na existência em que abusou ou em existência futura.

Que sejamos bons usufrutuários do que temos e resignados, mas sem deixar de lutar por melhoria, quando nos faltar tudo.

Que Deus nos ajude.

Domício.


[1] Vide em O Livro dos Espíritos, Parte Quarta – Cap. II, Questão 1009 (Assim, as penas impostas jamais o são por toda a eternidade?)
[2] Vide dissertação de A. Kardec, na íntegra, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XVI (Não se pode servir a Deus e a Mamon), Item 7 (Utilidade providencial da riqueza. Provas da riqueza e da miséria).
[3] Vide dissertação do Espírito Lacordaire, na íntegra, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XVI (Não se pode servir a Deus e a Mamon), Item 14 (Desprendimento dos bens terrenos).

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